Não rebaixe o Evangelho






Contudo, ainda que nós ou mesmo um anjo dos céus vos anuncie um evangelho diferente do que já vos pregamos, seja considerado maldito! (Gálatas 1:8 KJA)




Não me canso (e sinto que não devo me cansar) de falar sobre o atual corrompido cenário evangélico em nosso país e, mais abrangentemente, em todo mundo, pois vejo que nesse quesito se encontra o cerne de todo o pensamento e espiritualidade "cristã" decaído de nossos dias. Onde vivemos tempos em que há inversões de valores e até esquecimento de alguns, decepcionantemente, dentro da própria igreja (instituição), por parte dos próprios "crentes". E isso reflete na própria sociedade. Com uma igreja fraca e imoral, haverá uma sociedade fraca e imoral.

Pois bem, tratando-se do meio evangélico, lugar onde deveria haver referência de conduta ética e moral; base sólida para a sociedade – afinal, somos os filhos do Deus soberano e controlador de tudo; honestidade e tudo quanto mais cabem ao papel social do cristão, notamos e presenciamos uma triste realidade em que tudo isso é esculachado por infiltrações não provindas de Deus. Infiltrações que rebaixam o verdadeiro, puro e simples Evangelho do Reino de Deus, Evangelho do arrependimento como fruto da graça, Evangelho da Cruz de Cristo, Evangelho do "negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me." (Mc 8.34b). Portanto, me cerco a tratar aqui, destas colocações (em negrito) em contrapartida ao cristianismo moderno, mas especificamente, o do Brasil:

Evangelho do Reino de Deus – o Reino de Deus é, a bruto conceito, o controle eterno de Deus sobre as coisas, incitando às criaturas a devoção trinitária e dedicada ao Criador, por Seus atributos sobrepujantes, e nós como agentes apregoadores desse Reino pelo mundo. As demais abordagens que se seguem vêm por consequência desta. O Reino e suas particularidades devem ser seguidos à risca pela igreja (corpo de pessoas salvas) por causa e meio da graça, o que de fato acontece.

Como diria Mark Driscoll: "O Reino é tanto uma viagem como um destino, tanto uma operação de resgate neste mundo quebrado como um resultado perfeito na nova terra por vir; ambos já iniciados e ainda não finalizados."¹ O problema aqui, entretanto, se trata dos ditos "crentes" que, unicamente esnobam este princípio fundamental da vida cristã e se colocam acima de qualquer expectativa de humildade e submissão a Deus. Com seus corações egoístas e antropocêntricos, trocam o Reino pelas paixões desse mundo, seus bens e suas regalias, mas não compreendem o quão valoroso e recompensador é viver como servos desse Rei. Não compreendem a essência de Mateus 6.33.

Evangelho do arrependimento como fruto da graça – Diz respeito à natureza da vida com Cristo, no qual as pessoas agraciadas pelo Pai e convencidas pelo Espírito Santo, entram em constante contrição pelos seus pecados e se voltam a Deus; miram o sacrifício expiatório de Jesus no calvário como refúgio, alegria, certeza e esperança de uma vida salva, perdoada (Lc 24.47). (o puritano Thomas Watson tem um belo tratado sobre o tema, se trata do livro "A Doutrina do Arrependimento", publicado pela editora PES)

Mas até esse ponto básico foi infectado pelo evangelicalismo moderno. O arrependimento simplesmente foi esquecido em nossas igrejas hoje. Nossos púlpitos estão tomados de petições, teologia (heresia) da prosperidade, que não há mais espaço para apenas o foco do Evangelho, o chamado ao arrependimento. Seria cômico se não fosse trágico. Se tratando disto, fico com William Plumer, que diz: "A base da ordem é o fato de que todos os homens, onde quer que estejam, são pecadores. [...]Aquele que se arrepende verdadeiramente sente tristeza por seus pecados."² O triste é ver uma geração de infelizes e iludidos por esse cenário de maravilhas "góspeis" e que não veem em seu coração nada de que se arrependerem.

Evangelho da Cruz de Cristo – A cruz de Cristo é o centro da história da redenção, onde somos justificados (para saber mais sobre a Justificação, veja um texto de autoria própria aqui no Blog), tendo como Cristo o centro do Evangelho. Consequente, lógica e por decreto, essa obra glorifica ao Pai, ao próprio Filho e ao Espírito. Tudo envolve a cruz. Não podemos viver um Evangelho sem a pregação do sacrifício vicário de Jesus. Paulo já advertia que, se qualquer outra coisa seja pregada, que não seja referente a isso, seja anátema (Gl 1.8).

A cruz foi esquecida! A soberba e a necessidade de autopromoção invadiram nosso meio. Parece que nossos méritos estão acima dos méritos de Cristo, quando na verdade, nossa vida não deve ser apresentada como se por obras quiséssemos ser salvos ou alcançar menor mérito que fosse³. Vivemos num campo onde tramoias e barganhas com Deus são tão enfáticas e centralizadas, porém a Cruz de Cristo é só um objeto secundário. Daí me refiro à inversão de valores.

Evangelho do "negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me." (Mc 8.34b) – Uma das partes mais lindas e comoventes do cristianismo, a abnegação. Deus requer de nós entrega total. Exige que pisemos as pegadas de Cristo e assim nos tornemos cada vez mais parecidos com Ele. Claro, tudo isso mediante o agir eficaz do Espírito Santo em nós.

Adivinhe!? A abnegação também foi esquecida/corrompida. Vivemos em um evangelho infantil, de contos de fadas. Evangelho do "seus problemas acabaram" como marketing principal se você for para tal denominação. Não devemos nos apegar ao Senhor devido ao fato de Ele nos abençoar e nos dar uma vida agradável, nos rendemos ao Senhor por Sua pura graça e misericórdia, pois sabemos para onde iremos se não o tivermos como Salvador.

Amados, que nossos corações se quebrem ao ver o estado acabado que nossas igrejas se encontram. Igrejas fracas teologicamente. Igrejas que fundamentam sua espiritualidade em manifestações sobrenaturais (não julgando aqui a honestidade de tais atos) e perdem de seus cultos, as boas e velhas doutrinas da graça. Vamos amar, meus irmãos, a boa prática do Evangelho genuíno.

Não é tão somente uma crítica, mas uma exortação a todos (me incluo), visto que estes pontos são de suma importância para nós e devem ser constantemente tratados em nosso meio, para que não venhamos cair nas armas malignas do diabo que, no entanto, já foi vencido em Cristo.

Que venhamos perseverar em oração, e que lágrimas caiam diante de Deus perante tanta abominação e difamação do nome do Senhor. Que nossa vida cristã seja ativa e que sejamos agentes transformadores em nosso convívio diário, tendo sempre como fortaleza, o Amor e a Paz que excede todo entendimento.

Este é um chamado à luta! Como intitula um belo livro de C. H. Spurgeon: "Preparado para o combate da fé"4.

Deus conosco!

Em Cristo,


Gian de Carvalho



Notas:


1: DRISCOLL, Mark. "O que é o Reino de Deus?" Site Monergismo: http://www.monergismo.com/mark-driscoll/o-que-e-o-reino-de-deus/


2: PLUMER, William. "O que é Arrependimento?" Blog Bereianos: http://bereianos.blogspot.com.br/2010/05/o-que-e-arrependimento.html#.Va33EvlViko


3: LUTERO, Martinho. Pelo Evangelho de Cristo -- São Leopoldo-RS: Editora Sinodal, 1984, p. 298.


4: SPURGEON, Charles Haddon. Preparado para o combate da fé, as armas para o ministério: a igreja, a palavra e o Espírito Santo -- São Paulo, Shedd Publicações, 2005.