Sobre o pastoreio, do fundo da alma







Ser pastor é responder ao chamado do Supremo Pastor, o Senhor Jesus Cristo, para ser sua expressão ministerial aos membros da sua igreja para a glória exclusiva de Deus. É ter a consciência de que não tem em si capacidade especial nenhuma para isso a não ser a que for concedida por Deus por meio da operação do Espírito Santo para o exercício desta função.

A missão pastoral não faz sentido se não for para vivê-la em proximidade relacional para o cuidado apropriado das ovelhas do rebanho de Jesus.

Um pastor que reconhece sua vocação como uma realidade espiritual, faz da oração a porta para todas as suas outras disciplinas.

Um pastor que nutre, compartilha a Palavra de Deus e os sacramentos com devoção profunda, a despeito de sua imperfeição pessoal.

Um pastor que cuida, sabe que acolher, orientar, visitar, corrigir, suportar e encorajar as pessoas faz parte fundamental de sua tarefa, a despeito de se tornar impopular, mesmo diante das ovelhas que pastoreia, em circunstâncias específicas.

Um pastor que ensina, reconhece que a base de todo o ensino é a Palavra de Deus, apropriadamente estudada e relevantemente interpretada, e que um ensino saudável não pode faltar à igreja e, por isso, promove meios diversos e gratuitos para que tal ocorra e seja acessível a todos.

Um pastor que prega a Palavra de Deus com a ênfase da revelação do Evangelho centralizado em Jesus, sabe que ela tem o objetivo de alimentar e orientar os passos da igreja, e que ele estará junto da mesma no caminho do aprendizado e do esforço para a melhor aplicação possível de todo o ensino recebido como mensagem de Deus.

Pastoreio não tem a ver necessariamente com título eclesiástico, a não ser que este reflita suas realidades funcionais e não meramente um cargo trabalhista ou uma declaração de poder.

Embora muitos possuam habilidades multifacetadas, o pastor é, em essência, diferente do teólogo profissional e do pregador ou evangelista itinerante. O pastor é um teólogo no sentido em que faz da teologia um instrumento para um melhor pastoreio e uma melhor nutrição de sua comunidade.

O pastor é um pregador no sentido em que faz da sua pregação um momento de exposição da tonalidade profética das Escrituras voltadas para a parte do rebanho de Cristo sob os seus cuidados. O pastor é um evangelista no sentido em que faz da propagação do evangelho – por palavras, gestos e obras – uma maneira de frutificar e multiplicar discípulos de Jesus que são também acolhidos e devidamente equipados para o serviço à igreja e ao mundo a partir do contexto de uma comunidade de fé local.

O pastor, portanto, tem sempre uma conotação muito mais local do que itinerante, a não ser que suas retiradas do contexto local sejam para estender ou fortalecer o pastoreio em alguma outra localidade.

Um pastor sabe bem o peso de uma congregação sobre os seus cuidados e sua responsabilidade. Por isso, não faz de seu ministério um trabalho desleixado ou o que se faz com restos de sua agenda, nem tampouco o utiliza para ser tornar um ufanista embriagado por números ou dinheiro.

Pastor é, como não se pode concluir de outra forma, aquele que tem misericórdia e compaixão pulsando em suas veias muito mais do que os lampejos de um justiceiro com a missão da condenação dos pecadores – ele é, outrossim, instrumento serviçal para salvação e restauração dos que se encontram perdidos e alquebrados. 

Ele é aquele que sabe se identificar e chorar com a dor e o sofrimento das ovelhas de quem cuida. É aquele que em situações de aconselhamentos oferta o ouvido e a empatia antes de qualquer outra habilidade vocal. É aquele que tem a consciência de que o cuidado pessoal de uma ovelha em particular é obra dos bastidores diante do cenário público e, paradoxalmente, também uma obra realizada diante de uma grande plateia na realidade do “auditório” celestial.

O pastoreio é uma jornada... sentida muitas vezes, em sua compreensão humana, como uma jornada existencialmente solitária. Sim, solitária no sentido de que nenhuma outra pessoa pode sentir ou compreender as demandas, as maneiras de responder a elas e às idiossincrasias da função como ele próprio: nem familiares, nem cônjuges, nem amigos, nem outros líderes e nem mesmo os membros de sua comunidade.

É uma jornada por terrenos irregulares e etapas imprevisíveis. Nem sempre com companhias constantes e leais, conquanto, misericordiosamente, não fique também deixado por Deus ao abandono e, vez por outra, receba o acalento de amizades suportadoras.

Pastoreio não é profissão, é uma extra-ordinária vocação. Sua agenda – entendam ou não – é sua própria vida. O pastor o é em todos os momentos e lugares. O pastoreio não é apenas algo que se faz, é um pedaço de quem se é.

O pastor alimenta um rebanho e não um auditório. Pastoreio de auditório é entretenimento – performático e ilusório. O pastor, ao falar a um auditório, o faz com o desejo de revelar o coração do Pai, e não com o presunçoso desejo de agradar, emocionar ou divertir espectadores da religião.

O pastor é um pecador. Ele se trai todas as vezes que tenta se apresentar ou se descrever como um modelo de santidade. Todas as vezes que assim o faz, ele tira a referência de Cristo do centro e coloca a sua imperfeita existência na fomentação de uma expectativa comunitária que jamais será suprida, promovendo potenciais decepções para os outros e para si mesmo. Ele é terminantemente um exemplo de pecador angustiado que, como tantos santos do passado, suspira pela vivência santa para si e para os outros.

O pastor é um guerreiro absolutamente frágil – esta realidade ambígua e irrefutável dos homens que Deus chamou para pastorear o Seu povo em todos os tempos. Ele é sempre corajoso ao ser impelido pelo Espírito e pela Palavra de Deus. Mas ele também convive com o medo ao lidar com o receio da opinião pública e das injustiças de seu próprio povo. Por isso sua alma, como a de outros santos, se deprime de tempos em tempos e se vê em busca de alguma caverna para ocultar-se ainda que provisoriamente. Na verdade, estes parecem ser os momentos em que Deus destroi suas possíveis autoilusões de heroísmo ministerial. Angústias necessárias para mudanças essenciais.

O pastor é um pacificador. Como o seu Senhor, sua referência é não político-partidária, mas o Reino de Deus em sua manifestação absolutamente supracultural de semear justiça e paz a partir de todos os relacionamentos, ambientes e esferas.

O pastor precisa ser em todos os momentos a expressão do coração Paterno de Deus: firme, constante, misericordioso, imparcial e profundamente movido por graça e amor.

O pastor não é um ser arcaico, conquanto pareça que essa sua expressão original seja – na autal sociedade, inclusive religiosa – algo contemporaneamente ameaçado de extinção. Mas o pastor também não pode ser o modernista socialmente e publicitariamente relevante que negocia sua vocação sagrada num processo automatizador de uma fé superficial, caindo numa armadilha virtual, neglienciando o cuidado de ovelhas que berram pelas telas sedutoras e enganadoras de redes sociais.

Enfim, o pastor é este indivíduo genuinamente crente, que creu de tal forma que atirou-se no serviço supostamente abnegado do cuidado do povo que pertence a Deus e deseja desesperadamente fazê-lo da maneira mais leal possível. Se não for assim, não tem pastoreio, nem é tão “crente”.

Reverendo Celso Tavares