De fato, Deus é bom para com Israel, para com os de coração limpo. Quanto a mim, porém, quase me resvalaram os pés; pouco faltou para que se desviassem os meus passos. - Salmos 73.1-2
Acredito que você já tenha escutado esse ditado popular: “a grama do vizinho é sempre mais verde”. Em linhas bem simples, o adágio quer dizer que normalmente não nos contentamos com o que temos, e observando quem nos rodeia, desejamos o que os outros têm.
O simples “desejar” não é pecaminoso. Posso admirar o carro zero que algum amigo comprou, querer ter um similar e, aí, de duas uma: ou trabalho para ter o mesmo fruto, ou entendo que talvez não seja possível obter esse resultado e me contento com o que já adquiri.
O problema está quando, ao desejar aquilo que é do outro, eu o invejo e permito que meu coração encha-se de sentimentos ruins e negativos. O nome disso é “cobiça” (desejo imoderado), e fere o Décimo Mandamento (Ex 20.17). Inclusive, o texto bíblico aborda não só a propriedade do próximo, mas também protege expressamente coisas como sua família, sustento (trabalho) e empregados.
Ao observarmos o Salmo 73 encontramos um contexto levemente parecido com o que diz esse ditado. Asafe, seu autor, narra o que aparenta ser uma experiência que transcorre horas ou dias. Inicia seu texto confirmando que o Senhor de fato abençoa seus filhos, aqueles que têm o coração limpo, e aí nos conta sua experiência.
O problema é que o “próximo” de Asafe não eram pessoas honestas e corretas, trabalhadores que conquistam a vida através da graça de Deus agindo por meio de seus deveres afazeres. O “próximo” de Asafe eram os ímpios, aqueles que deliberadamente praticam a maldade.
É como se mudássemos o ditado para “a grama do assassino que mora ao meu lado é mais verde que a minha”. O que incomoda o salmista não é apenas a prosperidade alheia, mas sim o fato de que quem prospera é alguém distante do Senhor e de suas promessas, alguém que não cumpre com o pacto feito com o Criador.
Aqui reside então o primeiro problema de Asafe, que é narrado nos versículos 3 a 12: ele deixa de olhar para seu Criador e Mantenedor, olha para as pessoas e circunstâncias ao seu redor e as entende como regra.
Asafe, ainda que momentaneamente, esquece das promessas de Deus para com seu povo e sente-se aflito por ver que as bênçãos aparentemente caem mais, ou talvez até unicamente, sobre os “lado de lá”.
Infelizmente partilhamos dessas mesmas dores do salmista. Não é necessário muito esforço para olhar na sociedade em que vivemos e reparar que o ímpio prospera, apesar de toda sua maldade. Aqueles que declaradamente lutam contra Deus, seu Reino e Poder, demonstram viver tempos tranquilos e sem dores ou aflições.
Quando deixamos de fixar nossos olhos no Senhor, e nEle não mais baseamos nossos caminhos, mas voltamos nossa atenção para a maldade ainda presente neste mundo, permitimos que as tristezas e desgraças desta vida, causadas pelo pecado, nos sufoquem. Perdemos nosso foco na Eternidade, e deixamos de viver o Reino de Deus aqui na terra.
Essa atitude de desviar nosso olhar do Pai e focar no que Ele criou, mas que foi corrompido, nos afunda em questionamentos que se voltam contra a Verdade. Aqui reside, então, o segundo problema do salmista: ele se enterra em seus erros e, ao questionar o Senhor, duvidando de Seu amor e graça, se frustra.
Vemos isso de maneira clara nos versículos 13 a 15. Asafe deduz erroneamente que guardar os mandamentos de Deus, manter seu coração puro e deixar de praticar o mal são coisas inúteis, já que diariamente ele era afligido, e que todas as manhãs sentia-se castigado.
Novamente, nada além da Palavra de Deus deve nos servir de regra para que olhemos a realidade em que vivemos. É o que as Escrituras falam que molda nossa existência, e não o contrário.
Caminhar nesta terra com os olhos fixados na Cruz nos garante que até mesmo o sofrimento tem sentido, ainda que no meio da tempestade não consigamos notar. Isso nos faz depender do Senhor, fugir do que O desagrada e ter a certeza de que “toda dor é por enquanto”, como diz a canção.
Asafe, ao questionar o Senhor, depreende uma luta contra as razões de sua existência, e por conta própria tenta entender o porquê de toda essa realidade. Diz que, sozinho, não tem condições (v. 16). Aqui, creio, está uma das mais belas verdades que o salmo 73 nos apresenta: Deus, em sua infinita misericórdia, poupou o salmista e seu povo de uma vida de desgraças e desilusões (CFW 5.5).
Vemos no texto bíblico que o salmista “quase se perdeu”, que por muito pouco não se juntou aos ímpios em sua rodas de maldade, praticando seus atos e crimes. O que o impediu de cometer tamanho erro foi a mão do Pai ao lhe preservar e vida e integridade. Tentado a errar, Asafe percebe que fazer isso seria como trair toda sua geração de irmãos, filhos de Deus, que passavam pelos mesmos problemas, e que assim poderia ainda fazer com que outros pecassem contra o Criador.
Aqui, então, encontra-se a solução para os problemas citados anteriormente. Asafe vai aos pés do Senhor. Ele procura seu Criador.
Os versículos 16 a 28 nos mostram o escritor correndo até o templo, buscando abrigo no que Deus diz, e compreendendo o real fim dos que praticam a iniquidade e se desviam por completo dos caminhos do Senhor. O caminho dos ímpios os guia até a morte.
Asafe deixa claro que a prosperidade dos ímpios é passageira, que se esvai como um sonho quando acordamos. Ele entende que aqueles que praticam a maldade e dela não se arrependem ganham riquezas e bens apenas nesta vida, temporal e transitória. De maneira oposta, aqueles que se refugiam no Senhor têm real abrigo, consolo e segurança eterna.
Ao compreender de fato essa realidade, Asafe então suspira a Deus sua confissão de amor e dependência (Sl 73.25-26).
Quem tenho eu no céu além de ti? E quem poderia eu querer na terra além de ti? Ainda que a minha carne e o meu coração desfaleçam, Deus é a fortaleza do meu coração e a minha herança para sempre.
Santo Agostinho, em Confissões, relata algo semelhante. Ele diz que duro, difícil, é seguir a Deus, mas impossível deixá-Lo. O Senhor nos prende com laços de amor e nos atrai a Ele. Nos alimenta e sustenta (Os 11.4).
A grande mensagem do Salmo 73 é justamente isso: nossa herança, socorro, tudo o que necessitamos (para essa vida ou na eternidade) é o Senhor, e apenas Ele.
Que tenhamos nosso olhar sempre fixado na cruz, entendendo a graça do Pai operando em nós e através de nós, transformando nossos desejos, aspirações, e aquilo que nos rodeia.
Sob a Graça,
Daniel Kinchescki