Por John MacArthur [*]
O pecado que assedia os evangélicos “pragmáticos”, que se preocupam com aparências, sempre foi que eles emprestam clichês e argumentos do mundo secular. Os evangélicos de hoje evidentemente não acreditam que a sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus (1 Coríntios 3:19). Praticamente qualquer teoria, ideologia ou diversão que capte a fantasia da cultura pop secular será adotada, levemente adaptada, talvez encoberta em linguagem de sonoridade espiritual, sustentada com capciosas interpretações textuais, e vendida como uma questão que é vital para os evangélicos adotarem, se não quisermos nos tornar totalmente irrelevantes.
Foi exatamente assim que os evangélicos em meados do século XX ficaram obcecados por várias décadas com o pensamento positivo, auto-estima e “psicologia cristã”. Depois disso, foram as estratégias promocionais e de marketing. No início do século XXI foi o pós-modernismo, reembalado e promovido agressivamente como o movimento da Igreja Emergente.
Hoje, a teoria crítica racial, o feminismo, a teoria interseccional, a defesa LGBT, as políticas progressistas de imigração, os direitos dos animais e outras causas políticas de esquerda estão todas ativamente lutando pela aceitação evangélica sob rótulo de “justiça social”.
É óbvio que nem todo líder evangélico que atualmente fala sobre justiça social apóia todo o espectro de causas radicais. A maioria não, pelo menos até o momento. Mas eles estão usando a mesma retórica e lógica de vitimização e opressão que é implacavelmente empregada por secularistas que estão defendendo agressivamente todos os tipos de ideologias e estilos de vida desviantes. Qualquer pessoa que reivindique o status de vítima pode facilmente e efetivamente aproveitar o apelo emocional de um pedido por “justiça social” tanto para obter apoio quanto para silenciar a oposição.
De fato, conforme a retórica da justiça social ganha força entre os evangélicos, quase todas as causas consideradas politicamente corretas no mundo secular estão ganhando impulso entre os evangélicos. Seria loucura fingir que o movimento de justiça social não representa uma ameaça à convicção evangélica.
Os evangélicos raramente definem explicitamente o que querem dizer com “justiça social” — possivelmente porque se dessem uma definição precisa de onde esse termo veio e o que ele significa na academia secular, eles poderiam perder muito apoio evangélico. Inúmeros críticos apontaram que a retórica da “justiça social” está profundamente enraizada no marxismo gramsciano. Por muitas décadas, a “justiça social” tem sido empregada como abreviação política por esquerdistas radicais como uma maneira de exigir distribuição igualitária de riqueza, vantagens, privilégios e benefícios – até, e incluindo, o socialismo marxista puro.
A retórica tem sido eficaz e, hoje em dia, o típico guerreiro da justiça social está convencido de que oportunidades iguais e tratamento igual perante a lei não são suficientemente justos; não alcançamos a verdadeira justiça social até obtermos igualdade de resultado, status e riqueza. É por isso que ouvimos tanto sobre comparações de renda, cotas raciais e outras estatísticas que sugerem, por exemplo, que a opressão sistemática de uma oligarquia masculina é conclusivamente provada pela falta de mulheres que buscam carreiras em campos STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática).
Marxistas, socialistas, anarquistas e outros radicais propositalmente usam tais argumentos para fomentar o ressentimento, a luta de classes, a luta étnica, a tensão entre os sexos e outros conflitos entre vários grupos de pessoas, porque para reestruturar a sociedade de acordo com suas ideologias, eles devem primeiro quebrar as normas sociais existentes.
Tudo isso é verdade, e a conexão entre o marxismo e a retórica da justiça social pós-moderna é certamente um ponto válido e importante. Mas é ainda mais vital que nós, como cristãos, empreguemos a luz das Escrituras para examinar e avaliar as idéias atualmente promovidas em nome da justiça social.
Nenhuma justiça que não a Justiça de Deus
A Bíblia tem muito a dizer sobre justiça. Na Versão Inglesa Padrão da Bíblia (English Standard Version), a palavra é usada mais de 130 vezes. Nunca é precedida por um adjetivo, exceto em Ezequiel 18:8, que fala de “justiça verdadeira”. É ocasionalmente emparelhada com pronomes possessivos. O próprio Deus fala de “minha justiça” duas vezes nas Escrituras. Duas vezes em orações dirigidas a Deus, lemos a expressão “tua justiça”.
O ponto? Não há diferentes sabores de justiça. Existe apenas a justiça verdadeira, definida pelo próprio Deus e sempre de acordo com o Seu caráter.
É um fato que a Bíblia enfatiza enormemente os aspectos caritativos da justiça – boa vontade para com todos, compaixão pelos desprivilegiados, assistência para o órfão e a viúva, amor por estrangeiros e cuidar dos pobres, especialmente provendo às pessoas necessitadas as necessidades da vida (Deuteronômio 10:18; Salmo 140: 12; Ezequiel 22:29).
Mas a justiça bíblica não é um assunto unilateral, mostrando parcialidade aos pobres ou marginalizados em um esforço para equilibrar as escalas de privilégio. De fato, as Escrituras expressamente condenam essa mentalidade como injusta (Êxodo 23: 3; Levítico 19:15).
A justiça nas Escrituras é freqüentemente combinada com as palavras eqüidade e retidão. Eqüidade significa tratamento igual para todos sob a lei. Retidão significa aquilo que é consistente com as exigências da lei de Deus — incluindo punição para os malfeitores (Jeremias 5: 26-29); obediência às autoridades governantes (Romanos 13: 1-7); penalidades compatíveis ao crime e são aplicadas sem parcialidade (Levítico 24: 17-22); e uma forte ética de trabalho, reforçada pelo princípio de que pessoas capazes que se recusam a trabalhar não devem se beneficiar da caridade pública (1 Tessalonicenses 4:11; 2 Tessalonicenses 3:10).
Esses aspectos da verdadeira justiça estão notavelmente ausentes do recente diálogo evangélico promovendo a “justiça social”. Em vez disso, o que ouvimos é um eco da mesma retórica acusatória e slogans políticos sendo gritados por guerreiros seculares de justiça social. Esse fato deveria despertar o anseio de Beréia em todo cristão.
Acrescentando ao Evangelho
Ainda mais preocupantes são as declarações feitas por certos líderes do pensamento evangélico que afirmam que qualquer um que não defenda a justiça social está pregando um evangelho truncado. Alguns dizem que aqueles que rejeitam sua ideologia de justiça social não têm nenhum evangelho. Anthony Bradley, presidente do departamento de Estudos Religiosos e Teológicos do King’s College, publicou recentemente esta observação on-line:
Aqui está o problema (e isso será forte): do ponto de vista de uma igreja negra, os evangélicos nunca tiveram o Evangelho. Nunca. Leia o livro “Doctrine A[nd] Race”[1]. Aqui está a verdadeira questão: Quando os evangélicos abraçarão o evangelho pela primeira vez?
Aqueles que dizem essas coisas tipicamente se arrepiam quando os críticos comparam seus pontos de vista a Walter Rauschenbusch e ao evangelho social. Mas o argumento e a maior parte da retórica são idênticos. Rauschenbusch foi um teólogo progressista do início do século XX e autor de um livro intitulado “Uma Teologia para o Evangelho Social”[2]. Ele ensinou que os cristãos precisam se arrepender não só por suas transgressões pessoais, mas também por “pecados sociais”. Como a maioria dos defensores da justiça social evangélica de hoje, Rauschenbusch insistiu (a princípio) que não tinha uma agenda visando eliminar qualquer verdade vital do evangelho; ele só queria ampliar o foco do evangelho de modo a abranger os males sociais, bem como a questão do pecado individual e da redenção. Mas logo Rauschenbusch começou a dizer coisas assim:
Os males públicos permeiam tanto a vida social da humanidade por todos os tempos e em todos os lugares que ninguém pode compartilhar a vida comum de nossa raça sem ficar sob o efeito desses pecados coletivos. Ele ou pecará consentindo neles, ou sofrerá resistindo a eles. Jesus, em nenhum sentido real, levou sobre si o pecado de algum britânico antigo que espancou sua esposa em 56a.C., ou de algum montanhista no Tennessee que se embebedou em 1917. Mas, em um sentido muito real, suportou o peso dos pecados públicos da sociedade organizada, e eles, por sua vez, estão causalmente conectados com todos os pecados privados[3].
Várias das maiores denominações protestantes tradicionais da América absorveram entusiasticamente as idéias de Rauschenbusch. Todos os que assim fizeram, rapidamente se desviaram ainda mais para a esquerda até que abandonaram qualquer compromisso que pudessem ter com a autoridade das Escrituras. E então, eles já tinham perdido completamente o Evangelho. Por quê? Porque aqueles que deixam que a cultura, uma ideologia política, a opinião popular ou qualquer outra fonte extrabíblica defina “justiça” para eles, logo descobrirão a Escritura em oposição a eles. Se eles estão determinados a reter sua pervertida idéia de justiça, eles terão, portanto, que se opor à Escritura.
Além disso, toda tentativa de ampliar o escopo do evangelho acabará por deixar o evangelho tão fora de foco que sua verdadeira mensagem será perdida.
A mensagem da justiça social desvia a atenção de Cristo e da cruz. Ela move nossos corações e mentes das coisas do alto para as coisas da terra. Ela obscurece a promessa de perdão para os pecadores sem esperança, dizendo às pessoas que elas são vítimas infelizes dos erros de outras pessoas.
Por conseguinte, promove as obras da carne em vez de cultivar o fruto do Espírito.
Não provoquemos uns aos outros ou invejemos uns aos outros
Os cristãos são as últimas pessoas que deveriam ficar ofendidas, ressentidas, invejosas ou implacáveis. O amor “não leva em conta um mal sofrido” (1 Coríntios 13: 5). A marca de um cristão é dar a outra face, amar nossos inimigos, orar por aqueles que nos maltratam. Cristo é o exemplo cujos passos devemos seguir: “Ao ser insultado, Ele não insultou em retorno; enquanto sofria, não proferiu ameaças, mas continuou confiando a si mesmo àquele que julga justamente ”(1 Pedro 2:23).
Ódio, inveja, contenda, ciúmes, explosões de raiva, disputas, dissensões, facções, hostilidade, divisões, amargura, orgulho, egoísmo, ressentimentos, vingança — e todas as atitudes semelhantes de ressentimento — são as obras autodestrutivas da carne. O fruto benéfico que o Espírito produz são as atitudes exatamente opostas: “amor, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio”. A NVI traduz 1 Coríntios 13: 5 assim: “[O amor] não guarda rancor”.
Tais qualidades, francamente, são escassas na retórica daqueles que defendem a justiça social.
Fazer justiça (isto é, justiça bíblica, não o substituto secular) juntamente com misericórdia amorosa e andar humildemente com Deus são virtudes essenciais. Esses são os principais deveres práticos que cabem a todo crente (Mq 6: 8). Reclamar constantemente que somos vítimas de injustiça enquanto julgamos outras pessoas como culpadas de pecados que não podemos sequer ver é falta de ética com o Espírito de Cristo.
Como cristãos, vamos cultivar os frutos do Espírito, as qualidades nomeadas nas bem-aventuranças, as virtudes descritas em 2 Pedro 1: 5-7 e as características do amor listadas em 1 Coríntios 13. Qualquer noção de igualdade moral que omita ou minimize essas qualidades justas não têm nenhum direito de serem chamadas de “justiça”.
[*] John MacArthur. “The Injustice of Social Justice”. Grace To You, 7 de Setembro de 2018.
Tradução: Renata Villar
Revisão: Jonatas
[1] Nota do Tradutor: um jogo de palavras em Inglês que permite a leitura de Doutrina e Raça como Doutrina, a raça.
[2] ‘A Theology for the Social Gospel’
[3] Walter Rauschenbusch, A Theology for the Social Gospel (New York: MacMillan, 1917), pg 247 (os destaques foram adicionados).
Fonte: Tradutores