O termo “desigrejado” tem se tornado cada vez mais popular em nossos dias. O movimento de pessoas feridas com a instituição, que buscam a comunhão em reuniões informais é crescente.
O crescimento desenfreado de denominações, a abertura a diversas doutrinas que não tem amparo bíblico, os desmandos dos “autointitulados” bispos e apóstolos de nossos dias, os excessos das lideranças manipuladores, são razões pelas quais muitas pessoas têm se decepcionado com a Igreja institucional e organizada.
Sim, eu sei que existem muitos que vivem em torno da instituição, que omitem a compaixão para acatar ao pragmatismo religioso. Não estou fechando meus olhos a esta realidade. Claro que compreendo a dor de quem sofre na instituição. Praticamente todos os dias atendo vítimas de líderes que não entendem nada do Evangelho e estão despreparados para pastorear pessoas. Realmente não é fácil lidar com estas decepções e traumas.
Porém, frutos dessas circunstâncias, surgem pessoas que buscam a comunhão com outras, mas longe da instituição. E dentre os diversos grupos que surgem, existem aqueles que almejam comungar como Corpo de Cristo, observando todo o contexto da organização da Igreja ao longo do Novo Testamento, sem vínculo institucional. Estes, não vejo como desigrejados.
Desigrejados são aqueles que abandonam a comunhão e tentam se reunir sem observar as diretrizes eclesiásticas do Novo Testamento. Fazem o que querem, usando como desculpa as mazelas da igreja institucional, que na maioria dos casos exageram no criticismo apontando os erros da igreja moderna, mas que não oferecem o verdadeiro Evangelho de Cristo como solução.
Vamos aos pontos que a maioria dos desigrejados defendem:
– O fato de Jesus não ter fundando uma igreja institucional, ou denominação, assim por dizer;
– a influência de doutrinas de homens, no que diz respeito à hierarquia e organização estrutural que a igreja incorporou em seus hábitos ao longo da história;
– a demonização dos templos, ou o fato de associarem o templo em si mesmo como sendo ele a IGREJA;
– Onde dois ou três estiverem reunidos em nome de Cristo, ali Ele está, logo, isto significa que basta estar juntos em nome de Jesus.
Evidentemente que concordo com boa parte das críticas que os desigrejados fazem. Principalmente no que diz respeito a prioridades do Evangelho, que são as pessoas. Sou totalmente contra ao terrorismo da “cobertura espiritual” que pentecostais, G12, MDA e afins fazem, amaldiçoando quem sai de denominação X e vai para denominação Y. Sei que tem muita gente que defende mais a sua denominação do que o Evangelho, e que fazem questão de exibir para todos seus cargos eclesiásticos.
A desonestidade financeira de pastores, que andam de jatinhos e carros importados, enquanto muitos membros não têm nem o que comer em casa, também contribuiu para o aumento dos desigrejados. Honestamente, não há como concordar com essas coisas sem um mínimo de indignação.
Ainda assim, não leio na Bíblia nenhum versículo que autorize o abandono da comunhão, mesmo com essas mazelas sórdidas que acontecem em algumas denominações. Com isso, não quero dizer que você deve ir congregar em um circo de horrores onde heresias explícitas são pregadas. Mas, afirmo que não devemos abdicar a comunhão, porque é bíblico que não a abandonemos.
Se você está em uma igreja que não pregam o Evangelho, vá para uma que pregue. Problemas na Igreja sempre foram presentes, basta ler as epístolas de Paulo e saberá que ali havia muita instrução para correção de problemas. Isso não é novidade.
O ponto crucial é: desigrejados usam suas frustrações para não se submeter a limites descritos na própria Palavra de Deus. Como se o fato do sofrimento individual pudesse dar validade a levar um cristianismo “ao seu jeito”, ou seja, querem servir a Deus do jeito que entendem, desconsiderando diversos contextos, colocando “vírgulas” onde a Palavra de Deus coloca “pontos finais”. A título de se dizer “livre da instituição” muitos fazem o que querem, oferecendo um Evangelho a partir de uma percepção pessoal, que por si só, em muitos casos, apresenta distorções sérias.
Obviamente, concordo que Jesus não deixou uma Igreja Institucional. Mas é impossível não ter um nível organizacional, por menor que seja, para seguir algumas instruções claras de Jesus e dos apóstolos, no que diz respeito aos irmãos em Cristo. Levemos em consideração os seguintes textos e contextos:
“Disse-lhes ele: E vós, quem dizeis que eu sou? E Simão Pedro, respondendo, disse: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo. E Jesus, respondendo, disse-lhe: Bem-aventurado és tu, Simão Barjonas, porque to não revelou a carne e o sangue, mas meu Pai, que está nos céus. Pois também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela; E eu te darei as chaves do reino dos céus; e tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus.” (Mateus 16:15-19).
“E, chegando-vos para ele, pedra viva, reprovada, na verdade, pelos homens, mas para com Deus eleita e preciosa, Vós também, como pedras vivas, sois edificados casa espiritual e sacerdócio santo, para oferecer sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por Jesus Cristo. Por isso também na Escritura se contém: Eis que ponho em Sião a pedra principal da esquina, eleita e preciosa; e quem nela crer não será confundido. E assim para vós, os que credes, é preciosa, mas, para os rebeldes, a pedra que os edificadores reprovaram, essa foi a principal da esquina, E uma pedra de tropeço e rocha de escândalo, para aqueles que tropeçam na palavra, sendo desobedientes; para o que também foram destinados.” (1 Pedro 2:4-8)
O Senhor Jesus diz que a igreja seria fundada sobre essa verdade contida na declaração de Pedro acerca de dEle. Fora dessa verdade, só existem mentiras, e mentiras não podem ter espaço no Evangelho. Logo, há uma clara observação que devemos fazer aqui no sentido de rejeitar qualquer ensinamento que venha contra a Palavra de Deus e a doutrina dos apóstolos (eles dedicaram um bom tempo ensinando que a Igreja deve rejeitar qualquer tipo de pensamento que fosse contrário ao Evangelho) no Novo Testamento.
“E rogo-vos, irmãos, que noteis os que promovem dissensões e escândalos contra a doutrina que aprendestes; desviai-vos deles.” (Romanos 16: 17-17). “Mandamo-vos, porém, irmãos, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que vos aparteis de todo o irmão que anda desordenadamente, e não segundo a tradição que de nós recebeu.” (2 Tessalonicenses 3:6-6)
Ou seja, filosofias que promovem o liberalismo, a falta de doutrina, ou de prestação de contas a irmãos mais maduros e experimentados não tem amparo bíblico, como afirmam alguns do movimento dos desigrejados. Não vejo a menor possibilidade de estarmos firmes no Evangelho sem um estudo sistemático e frequente da Palavra. Cabe aqui citar a Escola Dominical, por exemplo, quando esta é eficiente, ensinando os novos convertidos a caminhar e mostrando o que deve ser rejeitado. Como tal ensino pode funcionar sem organização?
Ainda sobre a Igreja, o Senhor Jesus e os Apóstolos colocaram em evidência que há uma ligação direta e estreita entre Cristo e a ela, e não há nenhum versículo na Bíblia que aponte para a possibilidade de dissociar um do outro.
“Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o lavrador. Toda a vara em mim, que não dá fruto, a tira; e limpa toda aquela que dá fruto, para que dê mais fruto. Vós já estais limpos, pela palavra que vos tenho falado. Estai em mim, e eu em vós; como a vara de si mesma não pode dar fruto, se não estiver na videira, assim também vós, se não estiverdes em mim.” (João 15:1-4)
Notáveis são as observações dessa relação nos ensinos dos apóstolos:
“E sujeitou todas as coisas a seus pés, e sobre todas as coisas o constituiu como cabeça da igreja, Que é o seu corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em todos.” (Efésios 1: 22,23)
“Vós, mulheres, sujeitai-vos a vossos maridos, como ao Senhor; Porque o marido é a cabeça da mulher, como também Cristo é a cabeça da igreja, sendo ele próprio o salvador do corpo.” (Efésios 5: 22,23)
E quando alguém comete algum pecado? Leiamos:
“Ora, se teu irmão pecar contra ti, vai, e repreende-o entre ti e ele só; se te ouvir, ganhaste a teu irmão; Mas, se não te ouvir, leva ainda contigo um ou dois, para que pela boca de duas ou três testemunhas toda a palavra seja confirmada. E, se não as escutar, dize-o à igreja; e, se também não escutar a igreja, considera-o como um gentio e publicano. Em verdade vos digo que tudo o que ligardes na terra será ligado no céu, e tudo o que desligardes na terra será desligado no céu. Também vos digo que, se dois de vós concordarem na terra acerca de qualquer coisa que pedirem, isso lhes será feito por meu Pai, que está nos céus. Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles.” (Mateus 18:15-20)
O versículo, que muitos desigrejados usam para se isolar em suas reuniões, na verdade mostra a atuação de servos que vão cuidar do irmão que estava em pecado, exortando, para reconduzi-lo ao convívio da Igreja. O próprio Senhor Jesus disse que se o irmão não ouvir a repreensão, que o mesmo não seja considerado como integrante da Igreja. Como seria possível realizar esse processo sem o mínimo de organização, ou, com limites claramente estabelecidos na Palavra?
E a hierarquia na Igreja? Claramente sabemos que há necessidade de pastores/presbíteros para cuidar das Ovelhas de Cristo. Na Bíblia temos diversas referências da utilidade dos tais para a Igreja e até mesmo das qualificações dos destes.
“Olhai, pois, por vós, e por todo o rebanho sobre que o Espírito Santo vos constituiu presbíteros, para apascentardes a igreja de Deus, que ele resgatou com seu próprio sangue.” (Atos 20:28-28).
Na Igreja de Cristo, houve e há a necessidade dos tais:
“Por esta causa te deixei em Creta, para que pusesses em boa ordem as coisas que ainda restam, e de cidade em cidade estabelecesses presbíteros, como já te mandei.” (Tito 1:5-5)
Estes devem ser qualificados de acordo com o que lemos:
“Esta é uma palavra fiel: se alguém deseja o episcopado, excelente obra deseja. Convém, pois, que o bispo seja irrepreensível, marido de uma mulher, vigilante, sóbrio, honesto, hospitaleiro, apto para ensinar; Não dado ao vinho, não espancador, não cobiçoso de torpe ganância, mas moderado, não contencioso, não avarento; Que governe bem a sua própria casa, tendo seus filhos em sujeição, com toda a modéstia (Porque, se alguém não sabe governar a sua própria casa, terá cuidado da igreja de Deus?); Não neófito, para que, ensoberbecendo-se, não caia na condenação do diabo. Convém também que tenha bom testemunho dos que estão de fora, para que não caia em afronta, e no laço do diabo. Da mesma sorte os diáconos sejam honestos, não de língua dobre, não dados a muito vinho, não cobiçosos de torpe ganância; Guardando o mistério da fé numa consciência pura. E também estes sejam primeiro provados, depois sirvam, se forem irrepreensíveis.” (1 Timóteo 3:1-10)
A hierarquia e liderança são necessárias para a Igreja de Cristo, por esta razão os apóstolos ensinaram tanto sobre isso. Irmãos, sejamos honestos, querer ser Igreja sem observar todos os contextos, é pura hipocrisia, por mais bem intencionado que alguém possa estar.
Então os desigrejados que afirmam que estão buscando o modelo da Igreja Primitiva (sem parede), mas que não observam todos os textos bíblicos relacionados ao assunto, na verdade, não estão vivenciando a experiência de ser Igreja, pois adaptaram as partes que mais foram convenientes a si mesmos e ignoraram o resto, como se a reunião, em si mesma, pudesse englobar todo o contexto de Atos 2:42. Da mesma forma os que demonizam o templo e entendem como um pecado mortal se reunir um lugar que não seja uma casa, por exemplo.
Com certeza concordo que o Senhor não pediu para construirmos templos de milhares de reais e muito menos que vivêssemos com esse objetivo em prioridade. Mas por exemplo, há uma reunião de Igreja em uma residência, e que o número de pessoas cresceu naturalmente. Supondo que o número de pessoas não caiba mais dentro de uma residência, e que tenham crianças pequenas que não conseguem ficar muito tempo em um ambiente de aprendizado; esta comunidade local chega ao entendimento que um lugar mais amplo se faz necessário para que o culto seja mais produtivo. Um lugar simples, pequeno até. Se o Senhor deu o crescimento a esta Igreja (só para constar que nenhuma igreja histórica começou com milhares de membros) como podemos demonizar algo desta forma?
Por fim, lemos:
“Não deixando a nossa congregação, como é costume de alguns, antes admoestando-nos uns aos outros; e tanto mais, quanto vedes que se vai aproximando aquele dia”. (Hebreus 10: 25-25)
Então, concluo esse artigo dizendo que a Igreja Brasileira não é 100% perfeita, e na verdade ela está muito longe disso. Concordo que existem muitos erros básicos que podem e devem ser solucionados, e critico esses erros abertamente. MAS, AINDA ASSIM, isso não serve de justificativa para abandonar a Igreja e criar uma reunião qualquer sem observar todos os âmbitos da Igreja ao longo do Novo Testamento.
Qualquer um que diga que está “plantando” uma igreja nos moldes da Igreja Primitiva ou orgânica, que não leva estes textos em consideração, está cometendo um equívoco.
Soli Deo Gloria.
Pr. Marco Cicco