Infelizmente, a Igreja de nossos dias (se é que algumas instituições podem ser chamadas de Igreja em essência) sofre de problemas terríveis oriundos da falta de leitura da Palavra de Deus e da interpretação correta de seus contextos. Uma moda, não tão nova, mas cada mais “criativa” (no pior sentido da palavra) está sempre em evidência: OS FAMOSOS ATOS PROFÉTICOS.
Evidente que na Bíblia não existe definição nenhuma para ato profético, assim como também não orienta ninguém a praticar nada semelhante a isso em nossos dias. A começar da origem de tais atos, já temos muito a questionar, uma vez que não é uma ordenança bíblica.
Um site chamado Reavivamento Europa apresenta esta definição do que seria um ato profético: “Como o nome já sugere são ações realizadas por homens, profetas de Deus com determinado sentido profético, com intuito de profetizar com ações e símbolos. São sinais que apontam para o reino espiritual e que tem consequências no reino físico. São ações expressas em atitudes e palavras”
O autor deste artigo cita exemplos de atos proféticos, vamos analisar alguns destes casos com clareza e lucidez teológica:
- “Em Gn. 3, Adão e Eva se cobrem de folha de figueira depois Deus os veste com pele de cordeiro, este cordeiro foi morto, sangue foi derramado, o derramar do sangue foi um ato profético da redenção através do sangue (veja Hb 9:22). Este foi o primeiro ato profético executado, realizado pelo próprio Deus” . Claro que em Gênesis, para que Adão e Eva fossem cobertos com peles de cordeiro, o cordeiro foi morto. Mas não é a morte de um cordeiro em si mesmo um ato profético de Deus, como afirma o autor do post, é a simples lógica que para usar a pele do animal, ele não poderia estar vivo. A bíblia não menciona a morte desse cordeiro com um ritual a ser seguido. Quando ele cita Hebreus 9:22 ele ignora todo o contexto de Hebreus que falava acerca do sacrifício de Cristo. Essa sem dúvida é uma das características mais comuns de quem entende como ordenança a realização de atos proféticos: NÃO RESPEITAM OS CONTEXTOS DOS VERSÍCULOS, e o isolam, para dar margem de interpretações errôneas.
- “Deus manda marcar com sangue os umbrais das portas (Ex 12:7)”. Sim, o fato da Páscoa, a passagem do Anjo da Morte no arraial de fato mostra que a marca do sangue de um cordeiro no umbral das casas livraria o povo dessa última praga. Porém, essa passagem está remetida ao contexto da construção da história do povo Hebreu. Ao longo de todo o Antigo Testamento e Novo Testamento, não vemos a repetição desta prática e tão pouco a ordenança que esse ato deve ser repetido. Em se tratando de uma lógica histórica não temos precedentes de que passar o sangue no umbral das portas tenha sido repetido a titulo de ritual. Então, qual o sentido da Igreja de Cristo realizar essa prática hoje? Nenhuma.
- “Jacó usa varas simbólicas, devidamente adornadas para a procriação próspera de seu gado (Gn. 30:39)”. Sim, a passagem bíblica existe , porém, novamente distorcida de sua realidade original. Jacó realmente usou dessa estratégia para que o gado dele fosse aumentado. E isso foi feito diante de Deus, como forma de Jacó ser recompensado por todo o trabalho que havia feito na casa de Labão, e também estava atrelado ao contexto de ÉPOCA. No Antigo Testamento não era uma ordenança, ou ritual esse tipo de prática. Claramente que isso não justifica os atos de alguns “pastores” que vendem varas “ungidas” para, em tese, prosperar a vida das pessoas.
- “Eliseu pede vasilhas para operar o milagre do azeite (2o Rs 4)”. Aqui há um grave erro de interpretação e inversão de valores. A autor do post induz o leitor a pensar que sem as vasilhas o milagre não poderia acontecer. Erro absurdo. Só foram pedidas as vasilhas para acomodar o azeite. Poderia ter sido qualquer outra forma de guardar o azeite, ou seja, não é a vasilha em si mesma que produz milagres. Também não lemos no Novo Testamento uma instrução para que sejam levadas vasilhas como forma a profetizar a abundância ou algo da tipo.
- “Gideão coloca novelos de lã pedindo a Deus confirmação para suas ações (Jz 6)”. Para a Época, realmente foi uma forma de Deus falar com Gideão. Hoje, nós temos a Palavra de Deus para nos orientar, e sim a Bíblia responde a tudo. Não há nenhuma necessidade de usar métodos usados por personagens bíblicos que estavam em culturas diferentes, sem acesso a informações como nós temos hoje.
- “Eliseu usa um pedaço de pau para fazer flutuar o machado perdido (2o Rs 6:6)”. Em hipótese nenhuma eu negaria o que Deus fez. Ele faz como lhe aprouver fazer. Neste caso realizou um milagre como quis realizar. Porém, a forma que Deus age compete somente a Ele. Pode ser que Deus faça milagres como esse hoje em dia? Sim, pode ser. Mas nós não vemos a Palavra de Deus nos orientado a jogar um pedaço de pau para localiza nada em rios. Muito menos a fazer leituras que distorcem o contexto, como se o ritual em si mesmo, fizesse o Milagre de Deus acontecer.
- “Isaías manda o rei Acaz colocar emplasto de pasta de figos sob sua chaga para a cura (2o Rs 20:7)”. Nesta passagem por exemplo, vemos que a pasta é apenas uma espécie de medicamento. Não há nada simbológico aqui, e nem místico. Os milagres de Deus são milagres e ponto. Mas não há problemas em usar medicamentos. E , novamente, olhando para o contexto do cenário apresentado, não há nenhuma indicação de ser feito um ato profético.
- “Jesus cospe no chão pega o lodo e passa nos olhos do cego para curá-lo. (Jo 9:6)”. A forma que Jesus operou seus milagres, é diversa. Neste caso ele usou do lodo, e o cego voltou a ver. Não significa que o lodo em si mesmo provocou a cura. Jesus curou e realizou outros milagres apenas dando ordem, pois o poder de curar está nEle. Não faz o menor sentido em usar lodo como ato profético.
- “O próprio batismo é um ato profético no momento em que mergulhamos na água para arrependimento (Mc 10:39)”. Jesus não realizou um ato profético ao batizar, Ele se batizou e deixou o exemplo e ordenança. Essa afirmação é de que o batismo é um ato profético por causa do uso da água é um erro. Pense num país que não tenha a possibilidade de água para batismo tamanha é a necessidade, então, se algum cristão tiver o desejo de se batizar, mas não tem água, ele então não pode ser considerado Cristão?
Para minha tristeza e desespero, esse site apresenta diversas passagens bíblicas absurdamente mal interpretadas e totalmente tiradas de seu contexto. É uma tentativa horrível de manipular a Palavra de Deus, e ainda usá-la para validar as piores loucuras de nossos dias. Dei alguns exemplos aqui, mas todos eles giram em torno de algo simples: Leitura de contexto e lucidez.
E claramente esta definição que eles deram não tem concordância com nenhum versículo bíblico. Absolutamente nenhum. No Brasil, a maioria das igrejas apostólicas aderiram aos atos proféticos, como prova que os líderes (apóstolos, como se denominam) fazem desafios envolvendo desembolsos financeiros enormes, como um método de provocação, o que gera mero emocionalismo nas pessoas, e que por consequência, arrecadam mais dinheiro para instituição. É bem verdade que tem muitas outras igrejas que não são apostólicas que também praticam esses tais atos.
O foco destes “atos proféticos” tem dois objetivos claros: mostrar que os líderes das organizações são acima da média, portanto, recebem orientações especiais de “Deus” que os mandam fazer tais atos, e segundo, usar os atos para arrecadar mais dinheiro. O que mais me incomoda em todo esse cenário: Se Jesus, que esteve entre nós, andou entre nós, ensinou o que era necessário a respeito do Reino, e os apóstolos deixaram diversos escritos a respeito de como deve ser a vida cristã, qual a razão ou significado de usar um texto do antigo testamento (tirado de seu contexto) para dizer que Deus quer falar conosco? Ou para dizer que Deus quer nos dar uma “nova experiência”? Não faz o menor sentido.
Além de usarem de forma totalmente descabida os exemplos do Antigo Testamento para validar alguns atos proféticos, existe um grande perigo (o maior deles, em minha opinião) na vida daqueles que praticam e aderem aos tais atos: é uma forma direta de dizer que a Bíblia não é o suficiente. Tais atos negam a suficiência das escrituras, quando são apresentados como métodos para obter a salvação, a vida financeira abençoada, ter dinheiro, conquistas, poder e etc.
Primeiro porque não é isso que a Bíblia nos ensina, segundo, porque quem entende o Caminho de Cristo deveria ser livre das corrupções humanas. 1ª Coríntios 5:11-13 diz: “Entretanto, agora vos escrevo para que não vos associeis com qualquer pessoa que, afirmando-se irmão, for imoral ou ganancioso, idólatra ou caluniador, embriagado ou estelionatário. Com pessoas assim não deveis sequer sentar-se para uma refeição. Pois, como haveria eu de julgar os que estão fora da igreja? Todavia, não deveis vós julgar os que são de dentro? Contudo, Deus julgará os que são de fora. Expulsai, portanto, do vosso meio esse que vive na prática da indecência. O crente não deve buscar juízo pagão.”(Bíblia King James).
Em Hebreus 1:1-4 há uma observação claríssima:
“Havendo Deus, desde a antiguidade, falado, em várias ocasiões e de muitas formas, aos nossos pais, por intermédio dos profetas, nestes últimos tempos, nos falou mediante seu Filho, a quem constituiu herdeiro de tudo o que existe e por meio de quem criou o Universo. Ele, que é o resplendor da glória e a expressão exata do seu Ser, sustentando tudo o que há pela Palavra do seu poder. Depois de haver realizado a purificação dos pecados, Ele se assentou à direita da Majestade nas alturas, tornando-se tão superior aos anjos quanto o Nome que herdou é ainda mais excelente do que eles. O Filho é exaltado acima dos anjos.” (Bíblia King James).
Qualquer ser humano que ler as palavras de Jesus, o Filho, como diz em Hebreus, e meditar nessas Palavras com a única fonte de vida existente para nós, não dará espaço e não verá coerência nenhuma para a prática de atos proféticos. Então como eu defino os atos proféticos: Falta de leitura, interpretação e contextualização bíblica, uma tentativa aberta de invalidar a suficiência da Palavra de Deus e um método inescrupuloso para iludir e enganar pessoas com a intenção de lucro financeiro.
É o que penso e entendo lendo as Sagradas Escrituras. Pense nisso.
Abraço!
Pr. Marco Cicco